O conhecimento empírico usado pelas comunidades ao longo dos tempos para preparar remédios a base de plantas medicinais - PM guarda em seus conceitos e práticas uma efetividade que, em geral, se confirma nos laboratórios. Este saber contribui para a resolução de pequenos agravos à saúde que acometem membros dessas comunidades, reduzindo, assim, as estatísticas oficiais da atenção básica.

A etnologia de cada cultura documenta e interpreta, na pesquisa antropológica, as práticas ritualísticas ancestrais de preparo e utilização de remédios vegetais. Essas práticas também trazem informações úteis para se elaborar projetos que visam obter produtos ou criar serviços aplicáveis às políticas públicas em Fitoterapia. O abandono dos rituais de coleta e manuseio das PM, bem como daqueles usados no preparo e administração do remédio, tem levado à aculturação Fitoterapia Tradicional, descaracterizando-a. Em nações mais desenvolvidas, esses bens culturais são preservados à parte da prática da fitoterapia, a qual domina mais da metade do mercado europeu de medicamentos. Uma discussão sobre fitoterapia, considerando-se aspectos culturais, ambientais e tecnológicos, é a proposta da Etnofarmácia, tecnologia social desenvolvida como tema de pesquisa na UFPA.

Em 2006, o Brasil promulgou as Políticas Nacionais de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) ea de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF) que, em suas diretrizes, institui a Fitoterapia como opção terapêutica no SUS e define o cenário para se desenvolverprodutos e serviços em Fitoterapia, respectivamente.Perto de completarem dez anos, essas políticas trazem um ordenamento à Fitoterapia, em termos de regulação, que visa conferir confiabilidade e sustentabilidade ao desenvolvimento e produção de medicamentos fitoterápicos e PM, e eficácia e segurança para prescrição, dispensação, administração e uso desses recursos terapêuticos. Articuladas com a regulação vigente na União Europeia e no Canadá, entre outras, as normas brasileiras em Fitoterapiaestão se aperfeiçoando para tornar o uso das PM, seja na forma de chá ou de produto tecnológico, uma opção respaldada pela prescrição de profissionais de saúde, a qual se apoia na regulamentação que, por sua vez, se reveste de base científica, em termos da efetividade e segurança das PM.

A pesquisa produz dados importantes sobre a flora nacional, inclusive a amazônica, mas o diálogo ineficaz entre empresa e academia deixa resultados úteis nas gavetas dos laboratórios e as prateleiras das farmácias pobres em fitoterápicos para prescrição e dispensação; apesar de o Estado brasileiro, há muitos anos, aportar recursos para a pesquisa com PM e, mais recentemente, também para desenvolver medicamentos fitoterápicos.

No caso da pesquisa em Fitoterapia, ocorre um dilema que acomete as Ciências Farmacêuticas: a pesquisa tecnológica que possibilita desenvolver novos fitoterápicos em geral produz pouco conhecimento novo e isso, para o sistema de avaliação acadêmica, tem uma relação custo/benefício desfavorável para os currículos dos pesquisadores, logo, esta atividade seria mais apropriadamente realizada nas indústrias, e assim o é nas sedes da indústria farmacêutica transnacional. Aqui, a fragilidade está na baixa atividade do setor produtivo, que poderia agir mais efetivamente no desenvolvimento de fitoterápicos para doenças de baixa gravidade, mas de importância epidemiológica.

Penso não ser tarefa do pesquisador travestir-se de empresário e colocar sua ideia no mercado; mas entendo que o Estado deve induzir a aproximação desses agentes e assim poder desenvolver um setor da economia muito promissor e que traz benefícios para toda a sociedade.

Para orientar a preparação e uso de formulações fitoterápicas, a Farmacopeia Brasileira coloca à disposição da sociedade, desde 2011, o Formulário Fitoterápico. Para conhecer o formulário, consulte o portal da Agencia Nacional de Vigilância Sanitária usando o link Farmacopeia Brasileira: anvisa.gov.br.

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Wagner L. R. Barbosa é professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas e do Núcleo de Meio Ambiente da Universidade Federal do Pará e membro da Academia Nacional de Farmácia.

 

Publicado na edição de quarta-feira, 9 de setembro de 2015, do Jornal O Liberal, caderno Atualidades, pág. 2.

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