Prof. André Farias, do NUMA/UFPA, para Jornal Beira do Rio, 22/04/2020
Imagem: Acervo pessoal

Com o crescimento exponencial da pandemia provocada pelo novo coronavírus - SARS-COV-2, com a avalanche de medidas governamentais, muitas vezes desencontradas, com as notícias verdadeiras, com as fake News e com as ações e reações da população, surgem muitas dúvidas: Existe motivo para medo? Quem negligencia as recomendações de especialistas está sendo atrevido e acreditando ser corajoso? Afinal, o que é racional e insano?

Vejamos a definição de medo segundo o dicionário Aurélio: medo é o "sentimento de viva inquietação ante a noção de perigo real ou imaginário". Assim, a questão se coloca em outros termos: o medo que ora sentimos é real ou imaginário?  Estamos falando de um objeto determinado e dirigindo nossa atenção para ele? No caso da pandemia do novo coronavírus, é real, trata-se de um objeto determinado e todo o mundo está dirigindo a atenção a esse fenômeno.

Assim, estamos falando de uma pandemia histórica e de milhares de mortes provocadas por um vírus, cuja vacina não foi criada, isto é, não há cura. As medidas são preventivas, como o isolamento social; e os medicamentos de suporte são paliativos. A medida de isolamento social tem gerado muita polêmica. Mas, por quê? Todos não têm interesse na saúde pública e no bem da humanidade?

Não. Nem todos colocam o bem comum acima de seus próprios interesses. A sociedade capitalista, dividida em suas múltiplas frações de classe, tem profunda desigualdade. No Brasil, somam-se outros níveis de desigualdade, pois somos herdeiros de uma sociedade colonizada, escravocrata, patriarcal e machista. Assim, os interesses de rentistas, banqueiros, industriais, mineradoras, multinacionais, gigantes do agronegócio e religiosos fundamentalistas jamais serão os mesmos de operários, trabalhadores do comércio, informais ou rurais, desempregados, ribeirinhos, indígenas, mulheres, negros e negras e religiosos moderados e ecumênicos.

Numa versão bizarra de Trump, Bolsonaro negou a gravidade da situação, chamando a pandemia de "gripezinha ou resfriadinho", e conclamou o povo a voltar ao trabalho. Se não bastasse, tentaria levar a cabo uma campanha midiática denominada "O Brasil não pode parar".  Essa mensagem sem bom senso gerou mais dúvidas e levou seu séquito a promover carreatas em algumas cidades. De dentro de seus carros, em geral com máscaras de proteção, pessoas, conscientes ou não, tentaram criar uma onda de volta à normalidade.

Tanto o inconsequente discurso presidencial, os passeios irresponsáveis e a deturpação das orientações dos organismos internacionais quanto a posição vacilante do prefeito de Belém ajudaram a criar mais confusão, dividindo, ainda mais, uma sociedade desigual. O fluxo de pessoas aumentou na rua e a pandemia parece crescer exponencialmente. Em meio a isso tudo, tivemos medidas acertadas e racionais. Destacamos aqui dois exemplos.

O primeiro vem do Instituto Federal do Pará e da Universidade Federal do Pará. Esta passou a produzir e a distribuir álcool em gel, e o IFPA está produzindo material de proteção individual para trabalhadores e trabalhadoras da área da saúde que estão na linha de frente do enfrentamento da pandemia. O segundo exemplo vem dos partidos de oposição e do Congresso Nacional, que aprovaram o auxílio emergencial aos trabalhadores informais, aos desempregados e às mulheres chefes de família.

Estas são medidas extremamente importantes para contribuir no combate à pandemia, pois dará condições mínimas para que as pessoas mais pobres possam cumprir a determinação de isolamento social. Assim, façamos uma reflexão sobre quais discursos e ações colaboram para gerar medo e histeria e quais ajudam a manter a racionalidade, a prudência e a esperança.

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André Farias - Cientista Social e doutor em Desenvolvimento Socioambiental. Foi secretário municipal de Meio Ambiente de Belém (2002). Atualmente é professor Núcleo de Meio Ambiente (Numa/UFPA). E-mail Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

A primeira versão deste artigo foi publicada no Jornal O Liberal, em 05/04/2020.

Jonal Beira do Rio, Ed.154 - Abril e Maio de 2020