Discentes do Programa de Pós-Graduação em Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia tiveram a oportunidade de conhecer, entre os dias 1 e 3 de agosto, diversas experiências relacionadas à gestão, uso e aproveitamento de recursos naturais na região do Baixo Tocantins, com visitas agendadas nos municípios de Abaetetuba, Barcarena e Igarapé-Miri.
A visita técnica é uma disciplina obrigatória do PPGEDAM que tem como objetivo apresentar aos discentes do programa experiências de atividades econômicas e socioambientais relacionadas à gestão, uso e aproveitamento de recursos naturais na Amazônia. Em 11 anos de PPGEDAM, municípios de diferentes regiões já integraram a rota de visita dos mestrandos, tais como Cachoeira do Arari, Canaã dos Carajás, Marabá, Marapanim, Paragominas, Parauapebas, Tomé-Açu, Tucuruí e Laranjal do Jari. A visita realizada em agosto aos municípios do Baixo Tocantins contou com a participação de 20 alunos sob a orientação dos professores Otávio do Canto, Rodolpho Zahluth Bastos, Rosana Maneschy, Sérgio Moraes e Wagner Barbosa.
No primeiro dia (01/08), os alunos visitaram a COFRUTA (Cooperativa dos Fruticultores de Abaetetuba) que comercializa espécies frutíferas nativas da Amazônia. A Cofruta administra a fábrica de processamento do açaí, polpas de frutas e sementes. O presidente da cooperativa, Sr. Raimundo Brito de Abreu, apresentou a história a estrutura da organização, bem como os avanços e dificuldades. "Uma das maiores dificuldades é conseguir manter os jovens, filhos dos cooperados, e profissionais qualificados na cooperativa" ressalta o presidente.
Sr. Raimundo destacou ainda que por meio da diversificação dos produtos os 87 cooperados conseguem ter renda o ano inteiro. A cooperativa participa de editais de fomento, estabelece parceria com empresas como Natura e Beraca, vende parte da produção para São Paulo, Rio de Janeiro e Fortaleza; e recentemente passou a fornecer merenda escolar para municípios da região.
Ainda no primeiro dia os mestrandos visitaram a comunidade quilombola Burajuba em Barcarena. 480 famílias fazem parte da comunidade, vivem numa relação direta com os recursos naturais e estão em processo de regularização das terras junto ao INCRA. Além do açaí, parte da comunidade trabalha com a produção de mel. A comunidade que depende dos recursos naturais para viver denuncia a contaminação dos rios e igarapés por grandes projetos implantados no Município de Barcarena. Sr. Arivaldo, liderança local, explica que "tudo isso que acontece em Barcarena, os culpados disso são Governo do Estado e Governo Federal. Enganaram o povo pra implantar os grandes projetos, dizendo que iam trazer melhoria, desenvolver(...) mas o pessoal pra cá ficou esquecido(...) a gente sabe que tem vários direitos, mas só que eles não reconhecem nós não, não respeitam. Não é só a nossa comunidade não, o pessoal das ilhas, pensa num povo sofrido, são esquecidos mesmo pelo poder público".
Pela tarde, o grupo visitou a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Econômico de Barcarena. A diretora de planejamento e coordenação, Lúcia Paixão, apresentou as atividades desenvolvidas pela secretaria desde a organicidade da instituição, as ações de controle, licenciamento e educação ambiental relacionando-as aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) através da Agenda 2030. Lúcia apresentou também projetos futuros como a criação do centro de monitoramento hídrico e o zoneamento ecológico, "devido as nossas condições ambientais isso é importantíssimo pra nós" comenta a diretora.
No segundo dia (02/08), o grupo reuniu com a comunidade ribeirinha da ilha Xingu que vive em área onde será construído o porto privado de exportação de grãos da Cargill. A empresa produz e comercializa internacionalmente produtos e serviços alimentícios, agrícolas, financeiros e industriais.
Os mestrandos ouviram relatos sobre os modos de vida da comunidade pautados em práticas de uso e aproveitamento dos recursos naturais, como a pesca tradicional. O líder comunitário, Sr. Romildo de Assunção, conta que "a comunidade vive do puro extrativismo com algumas adaptações, mas que nunca desmatou área, nunca contaminou a área só usando e usufruindo dos bens que a natureza dá. Peixe, camarão, marisco, açaí, a caça e tem tantas gerações que estão ainda vivendo isso e nunca foi preciso a Cargill vir e dar emprego pra ninguém e a gente viveu isso porque nunca poluímos nada de ninguém. Vivemos dentro da lógica da sustentabilidade". A partir dos relatos, a comunidade se mostrou organizada e fortalecida no sentido de não concordar com a implantação do porto na região, "aqui na comunidade 95% são pescadores e um estudo da Cargill diz que não existe pescador aqui dentro. Já pensou uma coisa dessa? (....) Colocou esse porto aqui acabou a sobrevivência da comunidade. Acaba, mata todo mundo porque não estamos acostumados a viver na cidade" denuncia o ribeirinho Dilmaycon Freitas.
Outra comunidade visitada no rio Campopema tem como atividades principais o manejo do açaí e a extração de essências florestais. A comunidade integra cooperados que atuam na parceria entre Cofruta e Natura. Sr. Raimundo Pereira, morador da comunidade, cultiva uma diversidade de frutos, mas percebeu que nem tudo é produtivo por conta da diferença da terra em área de várzea e de terra firme. "Tem coisa que já tá dando e tem coisa que tu planta e cuida como uma criança e não dá por que a terra não é própria. Então a gente nasce aprendendo e morre aprendendo", reflete o morador.
No barco Panacarica, os alunos puderam conhecer e sugerir novas possibilidades sobre projetos relacionados à água potável nas ilhas e projeto Iacumama de uso e aproveitamento da biodiversidade ribeirinha. Na oportunidade, foi estabelecido um acordo de cooperação entre o Núcleo de Meio Ambiente (NUMA) e a comunidade visando à formação e assistência técnica no aproveitamento de água da chuva. Outra etapa envolve pesquisa e assessoria no desenvolvimento de pesquisas sobre plantas medicinais em Abaetetuba.
O terceiro dia de visita teve início na destilaria de cachaça da Amazônia, produto tradicional de Abaetetuba, e envolveu visitação ao canavial e à instalação industrial. A empresa produz a cachaça Indiazinha que está entre as 50 melhores do Brasil no quesito processos sustentáveis. Segundo o sócio-diretor, Omilton Quaresma, a destilaria representa "um dos projetos mais sustentáveis da cadeia produtiva do setor, desde o uso e manejo da matéria-prima, até a gestão de resíduos e reaproveitamento deles".
A visita ao sítio do seu José Lídio, outro ponto da expedição, foi enriquecedora aos alunos, que puderam conhecer na prática os desafios da agricultura familiar. No sítio se produz 80 tipos de frutos, sendo os principais cupuaçu, acerola, bacuri, cacau e goiaba. Os demais são produzidos em pouca quantidade e aguçam a curiosidade das pessoas por serem frutos não encontrados facilmente no mercado. Os frutos produzidos em diferentes composições (sólidos e líquidos) são comercializados em feiras da agricultura familiar e serão fornecidos em breve na merenda escolar do município.
Açaí Miriense, último local de visita, é uma fábrica de beneficiamento de açaí localizada no município de Igarapé-Miri com capacidade de produção de 2.000 latas/dia, congelamento de 24.000kg/dia e armazenamento de 300.000 kg. Os alunos conheceram de perto as etapas de produção, seguido de degustação do produto na fábrica.
Raimundo Lobato, discente do PPGEDAM, participou da visita técnica e avalia a atividade como essencial na formação dos alunos. Segundo ele, do ponto de vista das diferentes práticas de uso e aproveitamento dos recursos naturais, a visita "foi extremamente importante na formação profissional. Poder vivenciar e compreender as demandas sociais das comunidades tradicionais que foram visitadas. No caso das indústrias, dos projetos e cooperativas, a forma que atuam, entendem e praticam a sustentabilidade, tentam buscar e encontrar saídas para os desafios que enfrentam no dia a dia, na linha de produção, no caso dos pequenos produtores rurais, as formas com que trabalham os recursos naturais de forma sustentável para garantir qualidade de vida tanto para as populações locais como os pequenos produtores individuais" comenta o mestrando.
Como complemento da atividade, os alunos devem apresentar relatório síntese da visita, de maneira crítica, abordando a importância dos aprendizados para a formação e construção de seus respectivos trabalhos de dissertação de Mestrado.
“A visita técnica, enquanto disciplina obrigatória do PPGEDAM, é uma proposta que busca potencializar um processo de aprendizado inovador que alia conhecimento empírico e vivência no campo. O diálogo entre mestrandos e professores – e entre os próprios alunos – se torna natural e espontâneo durante o desenvolvimento da atividade. O resultado é um processo coletivo de reflexão crítica sobre as realidades locais, que envolve práticas e experiências de uso e aproveitamento de recursos naturais, permite perceber escolhas e pontos de vista dos diferentes atores envolvidos, certo de que, em certa medida, também amplia o olhar sobre as possibilidades futuras de intervenção na prática profissional. Foi enriquecedor para alunos e professores, estão todos de parabéns” – avalia o coordenador do programa, Prof. Rodolpho Zahluth Bastos.
Veja as imagens da visita abaixo: