Prof.ª Socorro Flores, do PPGEDAM/NUMA/UFPA, para Jornal Beira do Rio, 09/06/2020
Imagem: Acervo pessoal
A celebração mundial do meio ambiente, no dia 5 de junho de 2020, deve tornar-se um marco divisor de águas na história. Neste ano, a data ocorre em meio à pandemia da Covid-19. Assim, apresenta-se, uma vez mais, a oportunidade para refletir a respeito das inter-relações existentes entre os sistemas que fornecem a estruturação da vida atual.
Aliás, disso trata a rememoração de eventos pertinentes à vida da população planetária. Da observação e da experiência acumulada, sabe-se que ações antrópicas podem agir sobre as condições objetivas da reprodução biológica e socioeconômica das populações mais diretamente atingidas por seus efeitos e daquelas fisicamente mais distantes, bem como sobre as populações futuras e as mais vulneráveis.
O planeta impõe limites porque sua capacidade pode ser finita, como a da água, recurso natural não renovável. Entretanto, neste contexto de crise epidemiológica, o ser humano esquece que também é finito. Sua pequenez e fragilidade intranquilizam-nos a consciência. Enquanto estamos enfraquecidos, procuramos ídolos, clamando por salvação. Os menos religiosos raciocinam com objetividade, mas não sem o temor da extinção.
Nesse sentido, a extensão e a gravidade das ações predatórias e seus efeitos sobre o próprio ser humano são pouco - ou nada - conhecidos e, certamente, muito menos ainda os efeitos diretos sobre as populações futuras. Raramente, confrontamo-nos com a vida futura da maneira como somos hoje impelidos a fazê-lo.
Os macrossistemas que atualmente regem as relações socioeconômicas encontram-se desvinculados das condições sanitárias às quais estamos atrelados. Trabalhadores do carvão e do amianto adoecem de fibroses que afetam suas capacidades respiratórias. Do mesmo modo, os do cimento, os das indústrias metalúrgicas, os das usinas atômicas, os da produção de alimentos, entre muitos outros, em diversos setores da economia. Desta maneira, a depredação indiscriminada dos recursos naturais, as consequências da extração mineral ou vegetal, tudo contribui para a precarização da qualidade de vida.
A falta de ilustração para assenhorar-se do próprio destino transformou-se em marca de conformismo com que a sociedade encara sua degradação, inclusive ética e moral. Jamais o meio ambiente alcançou tal exposição em sua faceta mais notória: a da relação paradigmática entre todas as ações que movem a vida em toda a sua diversidade. Os direitos e seus reconhecimentos não são suficientes para nos garantir uma vida saudável. E, menos ainda, para nossas filhas e filhos.
Como aprender a lição da necessária interconexão de todas as ações que envolvem a vida se desafiamos as soluções? O homem saiu de seu estado natural há muito e, com o tempo, passou a depender de praticamente todos os sistemas não naturais para continuar existindo. A democracia pode resolver problemas e criar outros. O desenvolvimento científico-tecnológico enfrenta os novos desafios, mas nem todos estão relacionados com o bem comum.
Espera-se que o Dia Mundial do Meio Ambiente nos convoque a refletir sobre nossas fragilidades e, ao mesmo tempo, a descobrir fortalezas humanitárias que possibilitem superar os problemas mais imediatos. Tenha-se presente que problemas ambientais macroestruturais ficaram expostos quando a população de importantes centros econômicos precisou retrair-se e os complexos industriais e turísticos foram repentinamente fechados. A desenfreada propagação do novo vírus deixa à mostra que somente uma nova crise paradigmática é capaz de mexer com nossas estruturas internas para tentar mudar o rumo. Ainda depende de nós.
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Maria do Socorro Almeida Flores – doutora em Direitos Humanos e Meio Ambiente, diretora adjunta e coordenadora acadêmica do NUMA/UFPA. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.