O Brasil tornou-se celébre mundialmente com as experiências do orçamento participativo em algumas capitais do país como Porto Alegre e Belém, quando assistimos a um esgotamento dessas experiências não somente no Brasil e na América Latina, mas também em outros continentes, esquecemos que alternativas em termos de espaços públicos têm lugar em territórios rurais e urbanos, reconhecidos pelos poderes públicos nacionais como espaços destinados a experimentar novas formas de desenvolvimento baseadas nas exigências de conservação da biodiversidade e da sociodiversidade.
Neste campo o Brasil mais uma vez inova; do que se trata justamente? Da criação das Reservas Extrativistas, um tipo de área protegida, que remonta ao final dos anos de 1990, embora só mais recentemente ocorra uma expansão em seu número. No entanto, apesar de sua originalidade, essas experiências não são objeto de ampla di- vulgação nas cadeias de comunicação nacionais,o que leva a um desconhecimento por parte do grande público, mesmo se contribuem significativamente para uma gestão inovadora do território, na renovação de práticas locais de democracia e, em certos casos, para transformações no sistema de poder local.
Por que o Brasil neste domínio é vanguarda? Porque ao instituir a Reserva Extrativista como Unidade de Conservação, o Estado brasileiro dotou-se de um instrumento de política pública original pelo qual tem sido fixados objetivos ambiciosos. Esta originalidade em parte deve-se ao fato de este ser um dos raros instrumentos de política pública elaborado, formalizado e experimentado pelo movimento social. Um movimento que, sob a liderança de Chico Mendes no estado do Acre, nos anos de 1980, beneficiou-se de um contexto mundial sensível à questão ambiental, assim como de uma aproximação com o meio científico. De certo modo Chico Mendes e seus companheiros demonstraram que práticas alternativas de desenvolvimento, socialmente inclusivas e ambientalmente adequadas, eram possíveis, e que uma utopia poderia tornar-se realidade se dados os meios!
São essencialmente três os fatores do sucesso dessas Reservas. Primeiro sua criação exige o reconhecimento, pelos poderes públicos nacionais, das populações tradicionais organizadas em comunidades às quais são conferidos, no âmbito de um contrato de gestão, o direito ao uso dos recursos baseado em conhecimentos, práticas e cosmologias, que as predispõem à uma gestão do território correspondente à conservação da natureza. Segundo, a criação de uma Reserva faz-se acompanhar de aportes, parte financeiros, destinados às suas populações, e parte, em termos de recursos técnicos e científicos multidisciplinar que permitam valorizar o potencial dos conhecimentos e práticas dessas populações. Terceiro, às populações são oferecidas ferramentas de elaboração e uso participativos (os diagnósticos e os planos de gestão) e uma instituição de gestão, o Conselho Deliberativo, que se beneficia da legitimidade e dos recursos da União para gerir
um território. Onde esta instituição funciona, a mesma é levada a desempenhar um papel ativo no desenvolvimento de práticas locais de mocracia que podem até, em certos casos, colocar em xeque o poder local.
Essas experiências não são isoladas. É preciso considerar que no Pará atualmente há 14 Reservas Extrativistas Marinhas incidindo sobre o essencial de toda a costa nordeste, além de outras incidindo em terra firme disseminadas em outras regiões. A título de exemplo, a Reserva Extrativista de São João da Ponta, próxima a Castanhal e Belém, conta com o apoio de estudantes universitários, de pesquisadores e de serviços técnicos que participam de sua dinamização, sob as orientações do Conselho Deliberativo e de um agente do ICMbio. Quando das eleições de 2008, o poder local em São João da Ponta foi assumido por um ex-presidente da associação dos usuários da Reserva, e sua equipe apoiou seu desenvolvimento ao ponto de líderes comunitários implicados no processo se engajarem em uma formação, para qualificar a politização de suas atividades, iniciada numa parceria ICMbio e UFPA.
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Pierre Teisserenc é professor Emérito da Universidade Paris 13 e colaborador do Núcleo de Meio Ambiente da UFPA.
Publicado na edição de sexta-feira, 4 de dezembro de 2015, do Jornal O Liberal, caderno Atualidades, pág. 2
Foto: Phil Gyford, disponível em https://flic.kr/p/7Tzkj3, com modificações, licença CC by-nc-sa 2.0